Número de civis mortos é mais que o dobro do de policiais assassinados

Morre um policial em serviço para cada 250 civis mortos pela polícia, também em serviço, em 2022, no Brasil, segundo a 3ª edição do Monitor do Uso Letal da Força na América Latina e no Caribe, sendo o maior número no série histórica. A proporção mais do que duplicou em comparação com 2020, quando 114 civis foram mortos pela polícia por cada agente de segurança morto em serviço.

Divulgada hoje (16) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a pesquisa analisa 12 indicadores de uso e abuso da força policial, incluindo dados de nove países do continente: Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Jamaica, México, Peru, Trinidad e Tobago e Venezuela.

“Essa desproporcionalidade entre policiais mortos em serviço e pessoas mortas por policiais em serviço demonstra que há abuso no uso da força policial. O mais importante dessa proporção é justamente o fato de não haver respaldo nos dados para a narrativa policial padrão de que os policiais morreram em confrontos e usaram força letal porque estavam em confrontos”, disse Dennis Pacheco, pesquisador da FBSP, em uma entrevista com Agência Brasil.

Ele ressalta que, nos últimos anos, houve uma redução nos casos de policiais mortos em serviço no Brasil, ao mesmo tempo que o número de mortes causadas por policiais apenas se estabilizou. “A transição democrática no Brasil não aconteceu no que diz respeito aos direitos à vida e à não discriminação”, avaliou.

Em 2022, o total de civis mortos por policiais no Brasil chegou a 5.619, enquanto as mortes de policiais em serviço totalizaram 22. Em 2020, foram 5.958 e 52, respectivamente. O FBSP avalia que hoje alguns indicadores do Brasil estão mais próximos da realidade de países como El Salvador e Venezuela do que de países como Chile e Colômbia.

O monitor é importante para perspectivar a realidade do Brasil, realizar monitoramentos periódicos e refletir sobre tendências de melhoria ou piora nos indicadores de uso e abuso da força.

O Brasil tem uma taxa de civis mortos por policiais em serviço (2,77 civis mortos por 100 mil habitantes) superior à de países como Colômbia (0,52), El Salvador (1,45) e Venezuela (2,6). ), segundo dados da imprensa em 2022. Nesse indicador, o Brasil fica atrás apenas da Jamaica (4,23) e de Trinidad e Tobago (4,11).

A pesquisa revelou ainda que o Brasil superou todos os países analisados ​​no índice de civis mortos por policiais em relação ao total de policiais em serviço: 11,28 civis mortos para cada mil policiais.

Em relação às políticas de segurança pública equivocadas, Dennis cita o foco no policiamento ostensivo, que dá grande ênfase a ações de alta visibilidade e que tem pouco impacto na redução e prevenção da violência.

“Além disso, temos muita discricionariedade, há muita liberdade e autonomia para os policiais militares realizarem abordagens como bem entenderem, sem nenhum dispositivo de controle. Há também uma responsabilidade do Judiciário e do Ministério Público, que tendem a ser lenientes e coniventes com a situação atual, com a forma como a polícia tem atuado”, avaliou.

Abuso de força

A elevada proporção de homicídios cometidos por policiais em serviço em relação ao total de intervenções policiais com armas de fogo (11,8%, em 2022) é reveladora quando se trata de demonstrar a desproporcionalidade do uso da força policial no Brasil, segundo Monitor . Alguns estados concentram historicamente a letalidade, como Amapá (28,7%), Bahia (19,2%), Goiás (26,4%), Pará (18,1%), Rio de Janeiro (25,9%) e Sergipe (19,9%).

Ainda de acordo com o estudo, o abuso da força policial tem sido abordado como um problema a ser resolvido com políticas focadas e territorializadas, com o objectivo de aumentar a transparência e o controlo sobre a actividade policial.

Um exemplo ocorreu no estado de São Paulo, com o início do Programa Olho Vivo pela Polícia Militar em 2020, que forneceu aos agentes câmeras corporais individuais para registrar suas ações. Ao final de 2022, 62 dos 135 batalhões da Polícia Militar de São Paulo integravam o programa, o que representa 45,9% do total, segundo dados da FBSP.

Utilizando a base de dados “Letalidade Policial em Foco”, do Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público de São Paulo (MPSP), o FBSP identificou redução de 62,7% nas mortes por intervenções de policiais militares em serviço entre 2019, período imediatamente anterior à implantação das câmeras, e 2022. Segundo a entidade, os dados mostram um impacto surpreendente na redução do uso de força letal pelas polícias no estado nesse período.

2024-04-17 02:56:00